quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

lesbofobia é violência contra mulheres!

a Lei Maria da Penha não é só pra casais, muito menos só pra casais heterossexuais*

lesbofobia é uma palavra que muita gente não escutou. o que significa? aversão, violência, discriminação às mulheres lésbicas, por conta da orientação afetivo-sexual delas.

será que a lesbofobia, um tipo específico de homofobia que tem base na violação dos direitos sexuais das mulheres lésbicas, não é crime no brasil?

primeiro, vamos ver o que são “direitos sexuais”: conforme a campanha por uma convenção interamericana dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, os direitos sexuais são aqueles que ”promovem a capacidade de decidir autonomamente sobre a sexualidade e garantem que cada pessoa tenha direito à realização e expressão de sua sexualidade, sem coerção, discriminação ou violência, e em um contexto respeitoso da dignidade” (p. 05).
a campanha por essa convenção é luta de mais de uma década que os movimentos feminista e de mulheres têm enfrentado, pra que a OEA – organização dos estados americanos – a aprove, o que levaria os estados que a compõe a se tornar signatários, ou seja, aderir a ela.
foi assim que a Lei Maria da Penha foi criada: o brasil era signatário da CEDAW – convenção pela eliminação de todas as formas de discriminação contra mulheres -, e depois que a biofarmacêutica Maria da Penha, assessorada pelo Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), fez uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos o fato do brasil ignorar as várias tentativas de assassinato e as violências cometidas contra ela por seu ex-marido tornavam o país um descumpridor dos acordos internacionais com que havia se comprometido.
isso levou o brasil a responder a demanda dos movimentos de mulheres e feministas, e culminou na criação da Lei Maria da Penha em agosto de 2006. essa lei, que explica os tipos de violência contra mulheres que devem ser prevenidos e punidos, significa simbolicamente que a desigualdade secular que separa mulheres e homens é refletida nas diversas formas de comportamentos machistas naturalizados como “culturais” ou “tradicionais”. além disso, ela aponta que o fim do machismo também passa pelo tratamento das desiguais de forma desigual, mas não para descriminar, e sim para fornecer possibilidades de acesso que são garantidas aos homens simplesmente por serem homens.
esse é o princípio da equidade, que orienta muitas das ações afirmativas (que causam tanta indignação nas pessoas contra cotas raciais na universidade, por exemplo) e implica que o princípio da igualdade, ou isonomia constitucional, só tem perpetuado as desigualdades discriminadoras.
se vivemos numa sociedade machista em que homens têm privilégios simplesmente por serem homens,  consequentemente mulheres têm seus direitos violados simplesmente por serem mulheres, e muitas vezes isso se dá através da violação de nossos direitos sexuais, que são direitos humanos.
temos sido alvo preferencial de violências sexuais na infância e adolescência, temos sido as principais vitimizadas pelo tráfico e a exploração sexual, temos sido ensinadas a nos envergonhar de nossa sexualidade sendo pudicas e castas como avaliação de caráter e competência, temos sido sistematicamente estupradas em situação de guerra, temos sido invisibilizadas quando ousamos amar outras mulheres…

entendidos os direitos sexuais, podemos perguntar: o que a Lei Maria da Penha – LMP – diz sobre eles?

a LMP define como violência doméstica e familiar contra mulheres “ violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (art. 5º). além de definir o que é violência doméstica e familiar contra mulheres, ela tipifica 05 formas dessa violência. uma delas é a violência sexual: “qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos” (11.340/06, art. 7º inciso III).
ou seja, limitar ou anular o livre exercício da sexualidade – entendido aqui, entre outras, como auto-determinação à orientação afetivo-sexual, podendo ou não torná-la pública – é crime passível de punição na Lei Maria da Penha, caso o/a agressor/a seja pessoa do convívio próximo (familiar ou doméstico) ou íntimo (relação de conjugalidade, atual ou terminada). o estupro corretivo contra lésbicas, se executado por homem do convívio familiar ou doméstico, é forma gravíssima de violência sexual contra mulheres lésbicas, com prevenção e punição prevista dentro da lei.
estupro corretivo é quando um homem, ou mais, entende que uma mulher é lésbica porque não sabe o que é “sexo de verdade”, por achar que sexo “de verdade” é aquele com um casal heterossexual. pais, primos, tios, “amigos”, vizinhos, familiares, desconhecidos têm usado isso como arma de violação dos direitos sexuais das mulheres lésbicas. acontece dentro de casa, e também na igreja, também na escola, também no trabalho, também na vizinhança… e é uma forma de criar uma cultura de medo, que diga às mulheres: se vocês são ou parecem ser lésbicas, vão ser punidas socialmente por isso.
o estupro, no brasil, é crime previsto no código penal, mas ao mesmo tempo, a mentalidade machista de que nossos corpos pertencem aos homens, aliada à mentalidade também machista que nós mulheres internalizamos e que diz que temos que ter vergonha de sexo, leva muitas mulheres a não denunciarem estupros, sejam elas lésbicas ou não.
mas o silêncio não vai nos proteger! ele tem protegido é os violentadores.
a LMP é a primeira lei federal a reconhecer os casais homoafetivos de mulheres. isso porque ela entende que a violência contra mulheres praticada dentro de um casal de lésbicas é crime: ainda no artigo 5º, fica nítido: “Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.” é singelo, mas um primeiro passo muito importante pra que nós lésbicas sejamos consideradas sujeitas políticas, e sujeitas de direitos, inclusive o de formar pares.
além disso, há por trás desse parágrafo único um entendimento importante que a LMP traz, apesar de pouco comentado e muito questionado: nós, mulheres lésbicas,somos mulheres. e como a LMP assegura que uma vida sem violência é um direito humano de todas as mulheres, uma vida sem violência é um direito humano das mulheres lésbicas!
a partir daí, podemos perceber e desconstruir um primeiro mito sobre a lei: o mito de que ela é só pra casais, e só pra casais heterossexuais.
se você, leitora, tem uma namorada ou ex-namorada, ficante ou ex-ficante, ex-esposa ou esposa, companheira ou ex-companheira, amante ou ex-amante, e está sofrendo violência praticada por ela, você pode denunciar! e se você tem uma relação com outra mulher e a tem violentado, pode ser denunciada como agressora. mas não é só isso; a lei não diz respeito só a mulheres em relação de conjugalidade. ainda no artigo 5º, o texto da Lei diz que violência doméstica e familiar é aquela que ocorre:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
“coabitação”, nesse caso, quer dizer morar na mesma casa. ou seja, independemente de compartilhar moradia, se há violência na relação íntima de afeto (namoro, ex-namoro, ficada, ex-ficada, casamento, ex-casamento, rolo, ex-rolo...), a LMP pode ser aplicada. os incisos I e II trazem outro ponto importante pra gente: o entendimento de família se amplia, não mais se restringindo àquele modelo nuclear heterossexual (um pai, uma mãe e filh@s), mas englobando as formações de pessoas que são ou consideram parentes, seja por laços de sangue, afinidade ou vontade – famílias formadas por duas mães lésbicas e um filho; um par/casal de gays e uma amiga; por uma avó e suas/seus net@s, por uma tia e … entendemos, né?
agora, se nossa família é uma nuclear composta e chefiada por mãe/pai, madrasta/pai, mãe/padrasto, ou se ela é composta por outros arranjos, ou ainda se nossa “unidade doméstica” ou casa é onde sofremos algum tipo de violência, o que a LMP diz sobre isso?

importante voltarmos à tipificação de violências que a lei aponta.

começamos falando sobre a violência sexual, que é um dos 05 tipos. os outros são:
violência física, que às vezes é mais explícita porque deixa marcas, e é a menos questionada enquanto violência. a LMP define essa como “qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal” (art 7º, inciso I);
violência moral, que compreende a calúnia (dizer que você é ladra, bandida, ou pratica alguma contravenção ou crime), difamação (dizer que você é piranha, safada, mau-caráter etc) ou injúria (desqualificar você dizendo que é péssima filha, profissional medíocre, péssima mãe, individualmente ou na frente de outras pessoas etc);
violência patrimonial, que é estragar, queimar suas coisas; rasgar fotos ou dar sumiço nas cartas que você trocava com amigas de infância; envenenar, machucar ou assassinar o bichinho de sua estima – cachorr@, gat@, papagai@; quebrar suas plantas; reter seu cartão de crédito ou do banco; exigir que você entregue seu salário pra ser administrado por el@; enfim, “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” (art. 7º inciso IV, e é especista mesmo, entendendo pessoas não-humanas como posses) ;
violência psicológica, que é muito comum e ao mesmo tempo muito difícil de ser considerada violência. por isso, vamos comentá-la um pouco mais.
o texto explica que “qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação” é violência psicológica (art. 7º inciso II).
ser xingada e humilhada todos os dias é violência psicológica: “você tá feia”, “você tá muito gorda”, “você é burra”, “você não presta pra nada”, e aí o entendimento é parecido com o de injúria como violência moral.
ser controlada é violência psicológica: “onde você vai?”, “com quem você tá falando no telefone?”, “que horas você vai chegar?”, “por que você tá toda perfumada, vai encontrar com quem?”, “por que você vai com essa roupa?” – essas são formas mais explícitas. formas menos explícitas são: “olha, comprei essa blusa aqui, não é mais bonita do que as que você usa?”, “você não acha que aquela menina é meio estranha, assim? não entendo porque vocês são amigas”, “sua mãe só inferniza nossa vida, por que você não dá um tempo de ir na casa dela?” (manipulação e controle). outras formas são disfarçadas de gentileza: todo dia a pessoa vai te deixar e te buscar no trabalho, na escola, no salão, na igreja, na biblioteca, e diz que é porque o caminho é violento, a rua é escura, ou que não aguenta de saudade. o que pode até ser verdade. mas quando você não quer e el@ insiste, é violência!
isso não se restringe às relações conjugais: um pai, tio, mãe, avó etc que quer controlar a vida da filha, ler seus diários, interceptar seus emails, colocar escuta em seu telefone ou contratar detetive particular, está realizando vigília constante: “por que você anda lendo esses textos?”, “o que vocês conversam nesse grupo estudos sobre mulheres?” etc.
perseguição contumaz acontece quando você terminou uma relação e a pessoa não para de te ligar, procurar, mandar recado no orkut, procurar suas amigas. formas de violência psicológica. que são, muitas vezes, confundidas com paixão, ciume, cuidado, formas extremas de “demonstrar amor”.
mas “quem ama não mata, não humilha, não maltrata.”
e como uma forma de violência vai se conectando a outra, abrindo portas a outra: isolamento é violência psicológica gravíssima, que tem acontecido como crime de cárcere privado no brasil, e costuma levar a assassinatos ou suicídios. a pessoa vai sendo coagida a se afastar de sua rede de amizades, trabalho, estudo, religião, lazer… vai sendo empurrada a se afastar de familiares. a/o agressor/a vai ficando cada vez mais violent@, suspeitando mais e mais, vigiando mais e mais… a situação transborda e a violência física começa. ou a violência sexual: “ah é? você conheceu uma professora legal na faculdade? então você tá apaixonada por ela, só pode! não está? então vai ter que transar comigo AGORA”, mesmo contra sua vontade. ou a violência física: “por que você falou isso, fez aquilo, olhou praquela pessoa, deu tal resposta? vou te encher de porrada pra aprender a me respeitar!”. ou assassinato.
no brasil, a cada duas horas uma mulher é assassinada, geralmente por um marido ou ex, namorado ou ex, amante ou ex, ficante ou ex, companheiro ou ex (dados da pesquisa Mapa da Violência 2010 sobre femicídio, ou assassinato de mulheres).
essa pesquisa não conta quantas dessas quase cinco mil mulheres assassinadas todos os anos são lésbicas, mas longe de significar que mulheres lésbicas não são assassinadas, isso aponta que a violência contra lésbicas é muito invisibilizada, ou sub-notificada. a pesquisa foi baseada em dados do SUS, e se os formulários de anamnese e óbito não registram a orientação afetivo-sexual das pessoas, é muito fácil dizer que não existem lésbicas acessando o serviço de saúde. e isso é uma outra faceta da lesbofobia, a faceta institucional: lesbofobia institucional é o fracasso coletivo de uma organização em prever um serviço profissional e adequado às mulheres lésbicas por causa de sua orientação afetivo-sexual, que se exprime através de processos, atitudes ou comportamentos que denotam discriminação resultante de preconceito inconsciente, ignorância, falta de atenção ou de estereótipos lesbofóbicos que colocam mulheres lésbicas em desvantagem, com relação a outros segmentos de mulheres. uma das consequências dessa lesbofobia institucional é que ela determina a inércia das instituições e organizações frente às evidências da discriminação homofóbica (parafraseando Luiza Bairros e o Programa de Combate ao Racismo Institucional).

esse debate, no entanto, fica pra outro momento. por enquanto, vamos ficar com essa definição de que lesbofobia é violência contra mulheres, e uma vida sem violência é direito de todas nós.

no DF, caso sofra lesbofobia, não se cale, procure:

Coturno de Vênus – Associação Lésbica Feminista de Brasília
coturnodevenus@coturnodevenus.org.br

NUDIN – Núcleo de Atenção à Diversidade e Intolerância Sexual, Religiosa e Racial
Setor Cultural Sul, antigo posto do Touring – nudin@sedest.df.gov.br – tel (61) 3224-4898

DEAM – Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher
EQS 204/205 Asa Sul – tel (61) 3244.3400 / (61) 3244.4583

pra saber mais focos da rede de enfrentamento à violência contra mulheres e obter mais informações, disque 180 (ligações gratuitas de todo brasil) ou 100 (disque-denúncia, também gratuito e nacional)
mais informações sobre a Lei Maria da Penha no site da campanha Quebre o ciclo.



DF, 25 de novembro, dia internacional de luta pelo fim da violência contra mulheres, 2010

* esse texto foi escrito por tatiana nascimento dos santos, diretora colegiada da coturno de vênus, por ocasião do 1º Ovulário Lei Maria da Penha para Todas, realizado em Santa Maria (DF) no dia 25 de novembro de 2010.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

PaRa diFerENteS fORmAs De AgrESsãO, DiFEreNTeS fOrMas dE reAçÃo

aS violências tem como mecanismos de perpetuação a organicidade de atuar em ciclos, o fato de algumas mulheres e todos os homens insistirem em não reconhecer o agressor como uma pessoa consciente e responsável por seus atos, mantém este esquema 'violador/violada' inalterado.
identificaR o agressor é de extrema importância e isso pode acontecer por meio de denúncia formal em DEAM'S - delegacias de atendimento especializado às mulheres, delegacias convencionais e também com um diálogo aberto e sincero em seu núcleo familiar, de afeto e/ou de amizade..., a confiança é a nossa arma, nos organizemos em grupos de confiança, para nosso próprio fortalecimento e para o fortalecimento de muitas outras que vivem o isolamento da violência.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

sEm tEoRiAs - LéSbiCaS pELo fiM daS vIoLêNcIaS cOntRa e EnTrE MulhErEs

Abusos.
As violências contra mulheres e lésbicas não acontecem somente nos parques, durantes noites frias e chuvosas!

No primeiro semestre de 2010, centenas de casos de violência contra mulheres no distrito federal e entorno foram noticiados em páginas dos mais variados jornais, matérias estas que em sua maioria dialogam com uma linguagem sensacionalista e em raras exceções está comprometida informar a sociedade e respeitar a situação de violada da vítima. 
As denúncias de casos de violências contra mulheres vêm crescendo, dentre espancamentos, estupros e violências sexuais, casos de pedofilia, seqüestros, torturas e assassinatos, e a grande impulsora desta ação é a Lei 11.340 - Maria da Penha.
e nós com isso?
!já sabemos quem está contra a vida e movimentação das mulheres no mundo!
NossA idéia é a de tornar visível não somente os casos de violência como também expor o agressor/a às suas ações, para que a punição lhe seja conferida ou para que o/a mesmo/a sinta-se intimidado/a e não venha a cometer outro delito.
e você? 
que dica dá para que casos de violência contra mulheres seja exterminada? 

! a coturno de vênus tem seu trabalho voltado para viabilizar uma vida visível, digna e equanime para todas!

parcerias institucionais
apoio institucional